por Brian Summers
[Publicado na revista The Freeman, em Maio de 1974, este artigo, originalmente "The Role of Savings", está incluso no livro Free Market Economics: A Basic Reader, editado por Bettina Bien Greaves.]
Um dos aspectos menos notados do sistema de iniciativa privada é o papel da poupança em aumentar a riqueza de toda a gente. O fato de que a poupança de alguns possa aumentar a riqueza de todos pode parecer paradoxal à primeira vista, então consideremos, por um momento, o que acontece quando um indivíduo — chamemos-no de João — abstém-se de um pequeno consumo para colocar uma soma no banco.
Algumas pessoas podem dizer: "O dinheiro guardado por João é dinheiro que não será gasto. A diminuição no consumo de João pode somente significar uma diminuição de iguais proporções na produção e um resultante aumento no desemprego. Poupar deve realmente ser desencorajado."
Poupar é uma forma de gastar! O dinheiro de João não meramente senta no banco e fica por lá mesmo; o banco deve emprestá-lo a alguém no intuito de ganhar mais dinheiro e pagar os juros de João. Esse empréstimo não é um mero gasto; é, na verdade, a única forma de gastar que aumenta a riqueza: é um investimento.
O que acontece quando o dinheiro é investido? Digamos que uma empresa vá ao banco de João e pegue dinheiro emprestado para construir uma fábrica. A empresa então gasta o dinheiro de João na compra de materiais, máquinas, ferramentas, e na contratação de trabalhadores. O dinheiro poupado por João acaba sendo gasto tanto quanto se ele mesmo o tivesse feito. Não há, portanto, diminuição na produção ou aumento do desemprego. Na verdade, como podemos ver, há um aumento na produção e uma declínio na taxa de desemprego!
Logo a fábrica está completa. A empresa então começa a contratar trabalhadores. A poupança de João aumentou a taxa de emprego!
Como a corporação emprega trabalhadores? Oferecendo melhores condições de trabalho do que seus competidores. Talvez a condição mais importante — na medida das necessidades ou desejos dos trabalhadores — seja o nível dos salários. Muito provavelmente, os trabalhadores da nova fábrica tenham sido atraídos por salários mais altos. A poupança de João, perceba ele ou não, melhorou a renda de trabalhadores em uma fábrica que ele provavelmente nunca viu.
"Você disse que a poupança aumenta a renda de toda a gente. Mas e os 200 milhões de brasileiros que não trabalham na fábrica beneficiada pela poupança de João?"
Considere primeiramente os trabalhadores nas fábricas competidoras. Se essas fábricas não querem perder seus empregados para outras, é melhor que elas aumentem seus salários. A poupança de João aumentou os salários de uma indústria inteira.
Quanto aos trabalhadores de outros ramos, nós devemos lembrar que a maioria deles é de trabalhadores fabris em potencial. Se você quiser evitar que o seu melhor trabalhador agrícola vá embora para a fábrica ou pegue um emprego deixado por alguém que foi trabalhar na fábrica de João, é melhor que você lhe dê um aumento. A competição entre empregadores significa que a poupança de João, assim como a poupança de milhões de outras pessoas, aumenta os salários de todos os trabalhadores. (N. do T.: Note que, se o fazendeiro não puder competir com os níveis salariais da indústria, então inevitavelmente seus trabalhadores evadirão. Essa lógica explica, em grande parte, o fenômeno da Revolução Industrial no século XIX.)
"Isso ainda não é todo mundo! E as pessoas que não trabalham?"
Cada homem, mulher, criança — trabalhando ou não — é um consumidor. O fim da atividade econômica — poupar, construir fábricas, trabalhar, e todo o resto — é o consumo. Devemos sempre manter esse fim em mente. Os salários mais altos dos quais falamos se provariam desprovidos de sentido se eles não resultassem em consumo aumentado.
A poupança de João beneficia a todos porque a fábrica, as máquinas, e as ferramentas que elas ajudaram a construir foram projetadas para produzir bens que os consumidores preferirão a aqueles já disponíveis no mercado. A corporação que emprestou dinheiro do banco do João assumiu um risco financeiro por imaginar poder satisfazer os consumidores melhor do que seus competidores. Em outras palavras, eles acreditaram poder dar ao consumidor mais pelo seu dinheiro. Se eles falhassem, então o prejuízo seria deles. Se eles fossem bem sucedidos, então os consumidores consumiriam mais do que eles gostam e desfrutariam, portanto, de um padrão de vida mais alto. O consumidor — cada um de nós — é o juiz final e ganhador definitivo.
"Poupar, depois de tudo isso, parece uma boa. O que deve ser feito para encorajar mais poupança?"
Antes de fazer coisas que encorajam a poupança, devemos "desfazer" coisas que a desencorajam. Em particular, a legislação é ela mesma provavelmente o maior impedimento a potenciais poupadores. Avaliemos brevemente algumas formas como a lei desencoraja a poupança.
Para começar, as pessoas não podem economizar o que elas não têm. Cada centavo pago em impostos é um centavo que não será poupado. Some todos os impostos que João paga, e ele pode se encontrar sacando, mais do que depositando, dinheiro na sua conta bancária.
Além do nível geral de tributação, muitos impostos específicos são especialmente desencorajadores aos poupadores. Os impostos sobre os lucros das empresas, os impostos sobre os ganhos de capital, e os impostos sobre os dividendos e juros na conta bancária golpeiam o poupador de forma particularmente dura, e devem ser levados em conta por cada poupador em potencial.
Mais altos ainda que os impostos, são os gastos do governo. A diferença, naturalmente, é "composta" pela dilapidação da moeda fiduciária feita com as impressoras do governo — a inflação. E a inflação, combinada com outras modalidades de governo agigantado, é o suficiente para dar, até mesmo ao mais devotado poupador, motivo para repensar seus hábitos sóbrios.
O poupador vê a inflação galopando mais rapidamente que os limites legais colocados às taxas de juro. Mesmo que ele já tenha de fato perdido dinheiro em termos de poder aquisitivo, ele se vê obrigado a pagar impostos sobre os seus "rendimentos".
O poupador vê a inflação aumentar o valor do papel da sua participação no capital. Quando ele vende suas participações, ele deve pagar pelos ganhos de capital — mesmo que os seus "ganhos de capital", em termos de real riqueza, tenham sido na verdade perdas de capital.
O poupador vê a inflação aumentar os números dos lucros da sua empresa. Em particular, o aumento dos "lucros" do inventário — a diferença entre os custos de produzir um item e os custos de o substituir no inventário depois que ele foi vendido — é um resultado direto da inflação. Estivessem todos esses "lucros" disponíveis para investimento num novo inventário, a empresa poderia ao menos manter uma diferença proporcional. Contudo, em média, quase metade desses "lucros" acaba trazendo impostos sobre os lucros da empresa. Assim, o poupador pode ver a sua corporação perdendo dinheiro e pagando impostos sobre os lucros da empresa ao mesmo tempo.
A inflação em si mesma, ainda que não combinada a controles e impostos governamentais, é desencorajadora a poupadores em potencial. Com os preços crescendo, as pessoas são encorajadas a fazer compras antes que tudo fique mais caro, mais do que poupar para compras futuras.
O breve exame das formas como a lei desencoraja a poupança não está, de forma alguma, completo. Contudo, eu gostaria de concluir com um fator que, apesar de nunca poder ser mensurável, é muito real. Esse fator é o da incerteza. Nos anos recentes, o governo dos Estados Unidos se tornou tão intervencionista que, a cada poucos meses, o presidente anuncia "novas e fortes" medidas econômicas. Quem sabe quais serão as próximas medidas? Já ouvimos deputados clamando por uma estatização das empresas petrolíferas. Quem será louco o suficiente para investir sob tais circunstâncias? Para completar a destruição da economia americana, o governo não precisa expropriar os meios de produção. Basta tornar as condições onerosas e assustadoras o suficiente para que ninguém ouse investir nas empresas privadas. (N. do. T.: Notavelmente, o mesmo se aplica ao governo brasileiro — muito embora o nosso histórico intervencionista não seja exatamente "recente", como no caso dos Estados Unidos da década de 1970. Também, como o leitor pode notar, o setor petrolífero brasileiro já é estatizado, o que exemplifica o ainda maior grau de intervencionismo do estado brasileiro.)
Um livre mercado, e a confiança de que o mercado continuará a ser livre, é todo o encorajamento de que os poupadores precisam.
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Traduzido por Ramiro Freire. O original em inglês pode ser lido na página 73 desse e-book.
Traduções da Liberdade
Traduzindo o legado da filosofia Laissez-faire
quarta-feira, 5 de março de 2014
sábado, 1 de março de 2014
A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros
por Milton Friedman
[Artigo publicado no The New York Times Magazine de 13 de Setembro de 1970 como "The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits".]
Sempre que ouço homens de negócio falarem eloquentemente sobre as "responsabilidades sociais da empresa num sistema de livre iniciativa", eu me lembro da fantástica história do francês que, aos setenta anos, descobriu que durante a vida toda sua fala cotidiana era em prosa. Os homens de negócios acreditam estar defendendo a livre iniciativa quando declamam que as empresas não se preocupam "meramente" com os lucros, mas também com a promoção de fins "sociais" desejáveis; que as empresas têm uma "consciência social" e levam a sério suas responsabilidades em prover emprego, eliminar a discriminação, evitar a poluição e tudo o mais que seja chavão da cultura contemporânea de reformadores. Na verdade eles estão — ou estariam, se eles se levassem a sério, ou se qualquer outra pessoa o fizesse — professando o socialismo puro e autêntico. Homens de negócio que falam dessa forma são fantoches involuntários das forças intelectuais que têm minado as bases da sociedade livre nas últimas décadas.
As discussões sobre as "responsabilidades sociais das empresas" são notáveis por sua frouxidão analítica e falta de rigor. O que significa dizer que "empresas" têm responsabilidades? Somente pessoas podem ter responsabilidades. Uma corporação é uma pessoa artificial e, nesse sentido, pode ter responsabilidades artificiais, mas das "empresas" como um todo não pode ser dito que têm responsabilidades nem mesmo nesse sentido vago. O primeiro passo para a clareza da análise ao examinar a doutrina da responsabilidade social das empresas é perguntar precisamente o que isso implica, e para quem.
Presumivelmente, os indivíduos que seriam responsáveis são os homens de negócios, ou seja, proprietários individuais ou executivos corporativos. A maior parte da discussão sobre responsabilidade social é direcionada às corporações, então no que se segue, eu devo em grande parte negligenciar os proprietários individuais e falar sobre os executivos.
Num sistema de livre iniciativa e propriedade privada, um executivo é um empregado dos donos do negócio. Ele tem responsabilidade direta para com seus empregadores. Essa responsabilidade é a de conduzir a empresa de acordo com os desejos deles, que geralmente será ganhar tanto dinheiro quanto for possível em conformidade com as regras básicas da sociedade, tanto as consagradas em lei quanto as consagradas pelo costume ético. É certo que, em alguns casos, os empregadores podem ter um objetivo diferente. Um grupo de pessoas pode estabelecer uma corporação para propósitos caritativos — por exemplo, um hospital ou uma escola. O administrador de tal corporação terá como objetivo não os lucros, mas a prestação de determinados serviços.
Em ambos os casos, o ponto-chave é que, na qualidade de executivo, o administrador é o agente dos indivíduos que detêm a corporação ou estabelecem a instituição caritativa, e a sua responsabilidade primária é para com eles.
Desnecessário dizer que isso não significa que é fácil julgar quão bem ele está realizando a sua tarefa. Mas ao menos o critério da performance é simples, e as pessoas a quem ele se submete por um acordo contratual voluntário estão claramente definidas.
Naturalmente, o executivo é também uma pessoa em seu próprio direito. Como pessoa, ele pode ter muitas outras responsabilidades que reconhece ou assume voluntariamente — para com a sua família, sua consciência, seus sentimentos de caridade, sua igreja, seus clubes, sua cidade, seu país. Ele pode se sentir impelido por essas responsabilidades a devotar parte de sua renda a causas que ele considera valiosas, a recusar trabalho de empresas em particular, e até mesmo a deixar o seu trabalho, por exemplo, para se juntar às forças armadas de seu país. Se quiséssemos, poderíamos nos referir a algumas dessas responsabilidades como "responsabilidades sociais". Mas nesses casos ele está agindo como indivíduo, por próprios princípios, e não como um agente contratado; ele está gastando o próprio tempo, dinheiro ou energia, não o dinheiro de seus empregadores ou o tempo e energia que ele deveria usar para se dedicar aos propósitos para os quais foi contratado. Se essas são "responsabilidades sociais", elas são as responsabilidades sociais dos indivíduos, não das empresas.
O que significa dizer que o executivo tem uma "responsabilidade social" em sua capacidade como homem de negócios? Se essa afirmação não é puramente retórica, significa que ele deve agir de alguma forma que não seja pelos interesses dos empregadores. Por exemplo, que ele deve se abster de aumentar os preços dos produtos a fim de contribuir para o objetivo social de coibir a inflação, apesar de que um aumento seria de melhor interesse à corporação. Ou que ele deve fazer os gastos com a redução da poluição irem além da quantidade de interesse para a corporação, ou além do exigido pela lei, a fim de contribuir para o objetivo social de melhorar o meio ambiente. Ou que, às custas dos lucros corporativos, ele deve contratar os desempregados mais necessitados em vez dos melhores trabalhadores qualificados disponíveis, a fim de contribuir para o objetivo social da redução da pobreza.
Em ambos os casos, o executivo estaria gastando o dinheiro de outra pessoa num interesse social geral. Na medida em que suas ações pela "responsabilidade social" reduzem os retornos dos acionistas, ele está gastando o dinheiro deles. Na medida em que suas ações aumentam o preço pago pelos consumidores, ele está gastando o dinheiro deles. Na medida em que suas ações baixam os salários dos empregados, ele está gastando o dinheiro deles.
Os acionistas, os clientes ou os empregados podem separadamente gastar seus próprios dinheiros em ações particulares, se eles quiserem. O executivo está exercendo uma "responsabilidade social" distinta, em vez de servir como um agente dos acionistas, consumidores ou empregados, somente se ele gasta o dinheiro de uma forma diferente de como eles o fariam. Mas ao fazer isso, ele está de fato impondo taxas por um lado, e decidindo como o dinheiro deve ser gasto pelo outro. Esse processo levanta questões políticas em dois níveis: o dos princípios e o das consequências. No nível dos princípios políticos, os impostos e as despesas das receitas fiscais são funções governamentais. Nós estabelecemos elaboradas disposições constitucionais, legislativas e judiciárias para assegurar que os tributos são colocados, tanto quanto for possível, em concordância com as preferências e desejos do público — um dos gritos de guerra da Revolução Americana, afinal de contas, era quanto à "tributação sem representação". Temos um sistema de freios e contrapesos para separar, quanto aos tributos, a função legislativa, que impõe tributos e promulga gastos, da executiva, que cobra impostos e administra os programas de despesas, e da judiciária, que media conflitos e administra os programas de despesas.
Aqui, o homem de negócios — por conta própria ou indicado diretamente por acionistas — deve ser simultaneamente legislador, executivo e jurista. Ele deve decidir a quem taxar, o quanto taxar e para que propósito, e deve gastar os recursos — tudo isso guiado somente por apelos gerais de um dever superior para combater a inflação, melhorar o meio ambiente, combater a pobreza e assim por diante.
A justificação inteira para permitir que o executivo seja selecionado pelos acionistas é a de que ele é um agente a serviço dos interesses da empresa. Essa justificação desaparece quando o executivo impõe taxas e gasta os recursos para propósitos "sociais". Ele se torna, com efeito, um funcionário público, mesmo que ele permaneça, em nome, um empregado de uma empresa privada. No campo dos princípios políticos, é intolerável que tais funcionários públicos — até onde suas ações em nome da responsabilidade social são reais e não somente uma fachada — sejam selecionados como ocorre agora. Se eles devem ser funcionários públicos, então eles devem ser eleitos por um processo político. Se eles devem impor taxas e gastar dinheiro para promover os objetivos "sociais", então a máquina política deve estar configurada para fazer a avaliação dos impostos e para determinar, através de um processo político, quais objetivos devem ser perseguidos.
Essa é a razão básica pela qual a doutrina da "responsabilidade social" envolve o aceitamento da visão socialista de que os mecanismos políticos, e não os mecanismos de mercado, são a forma adequada de se determinar a alocação dos recursos escassos a usos alternativos.
No campo das consequências, pode o executivo de fato se exonerar de suas alegadas "responsabilidades sociais"? Por outro lado, suponha que ele pudesse gastar o dinheiro dos acionistas, clientes ou empregados. Como ele saberia como gastá-lo? A ele é dito que deve contribuir para o combate à inflação. Como ele deve saber que ação sua contribuirá para esse fim? Ele é presumivelmente um especialista em conduzir sua companhia — em produzir, vender ou financiar um produto. Mas nada, entre esses conhecimentos, faz dele um especialista em inflação. Irá sua redução dos preços dos produtos reduzir a pressão inflacionária? Ou, forçar a empresa a produzir menos não irá simplesmente contribuir para a escassez? Mesmo se ele pudesse responder a essas questões, que custos ele está permitido a impor a seus acionistas, consumidores e empregados para esse propósito social? Qual é a sua parcela adequada e qual é a parcela adequada dos outros nisso?
E, mesmo que ele queira, pode ele sumir com o dinheiro dos acionistas, clientes ou empregados? Não irão os acionistas o demitir? (Tanto os atuais quanto os que assumem o controle quando suas atitudes em nome da responsabilidade social reduzem os lucros da corporação e o preço das ações.) Os seus consumidores e empregados podem trocá-lo por outros produtores e empregadores menos cuidadosos em exercer suas responsabilidades sociais.
Essa faceta da "responsabilidade social" é colocada em evidência quando é usada para justificar restrições salariais por parte dos sindicatos. O conflito de interesses fica nu e cru quando é pedido aos dirigentes sindicais que subordinem seus interesses a um propósito mais geral. Se os dirigentes tentam impor restrições salariais, é provável que ocorram greves selvagens, resolutas revoltas e a emergência de fortes competidores pelos empregos dos grevistas. E assim nós temos o irônico fenômeno de que dirigentes sindicais — ao menos nos Estados Unidos — tenham objetado à interferência do governo no mercado de forma muito mais consistente e corajosa do que os líderes de empresas o têm feito.
A dificuldade em exercer a "responsabilidade social" ilustra, de fato, a grande virtude do empreendimento competitivo privado — ele força as pessoas a serem responsáveis por suas próprias ações e as obsta de "explorar" outras pessoas para seus próprios propósitos egoístas ou não-egoístas. Elas podem fazer o bem — mas somente às suas próprias custas.
O leitor que tenha seguido o argumento até aqui pode ser, em grande parte, tentado a protestar que está tudo muito bem em mandar o governo tomar a responsabilidade pelos impostos e pela determinação de despesas para propósitos "sociais" como controlar a poluição ou treinar os desempregados, mas que esses problemas são urgentes demais para esperar pelo lento curso do processo político, e então o exercício da responsabilidade social pelos homens de negócio seria uma forma mais rápida e segura de resolver os problemas atuais.
Além das objeções que podem se fazer à suposta veracidade disso — eu compartilho do ceticismo de Adam Smith quanto aos benefícios que podem ser esperados "daqueles que se comovem em comerciar pelo bem público" — esse argumento deve ser rejeitado no campo dos princípios. O equivalente a isso é a afirmativa de que aqueles que defendem os tributos e as despesas em questão falharam em convencer uma maioria de seus concidadãos, e estão procurando realizar de forma antidemocrática o que não conseguiram fazer pelos procedimentos democráticos. Numa sociedade livre, é difícil que pessoas "más" façam o "mal", especialmente porque o bem de um homem é o mal de outro.
Eu tenho, por simplicidade, focado no caso especial do executivo, exceto para a pequena digressão sobre as organizações sindicais. Mas precisamente o mesmo argumento se aplica ao mais novo fenômeno da convocação dos acionistas a exigir que as corporações exerçam a responsabilidade social (a recente cruzada da General Motors, por exemplo). Em vários desses casos, o que está de fato envolvido é o fato de alguns acionistas estarem tentando coagir outros acionistas (ou consumidores ou empregados) a contribuir para as causas "sociais" favorecidas pelos ativistas. Na medida em que conseguem, eles estão novamente impondo taxas e gastando os proventos.
A situação do proprietário individual é, de alguma forma, diferente. Se ele age para reduzir os rendimentos da sua empresa no intuito de exercer sua "responsabilidade social", ele está gastando seu próprio dinheiro, e não o de outra pessoa. É direito dele querer gastar seu dinheiro em tais propósitos, e eu não consigo ver nenhuma objeção a isso. No processo, ele também pode impor custas aos empregados e consumidores. Contudo, por ser menos provável que ele detenha um poder monopolístico do que uma grande corporação ou sindicato, quaisquer efeitos secundários tenderão a ser menores.
É claro, a prática da doutrina da responsabilidade social é mais frequentemente um disfarce para praticar ações justificadas em outros campos do que um fim em si mesmo.
Para ilustrar, pode ser do interesse de longo prazo de uma corporação que o maior empregador numa pequena comunidade dedique recursos para proporcionar vantagens a ela ou para melhorar o seu governo. Isso poderia tornar mais fácil a vinda de empregados desejáveis, poderia reduzir os custos salariais, poderia reduzir os prejuízos por roubo ou sabotagem, ou poderia ainda ter outros efeitos de valor.
Em todos esses casos — e em vários similares — há uma forte tentação em racionalizar essas ações como um exercício da "responsabilidade social". No clima presente das opiniões, com a sua ampla aversão ao "capitalismo", aos "lucros", à "corporação desalmada" e assim por diante, essa é uma forma de a corporação gerar boa vontade como um subproduto de gastos que estão totalmente justificados dentro do interesse próprio.
Seria inconsistente da minha parte pedir que os executivos se abstenham dessa fachada hipócrita porque isso ameaça os fundamentos da sociedade livre. Isso seria convocá-los a exercer uma "responsabilidade social"! Se as nossas instituições e as atitudes do público fazem com seja do próprio interesse dos executivos encobrir suas ações dessa forma, eu não posso ter muita indignação ao condená-los. Ao mesmo tempo, eu posso expressar admiração por aqueles proprietários individuais, detentores de empresas de capital fechado, ou acionistas, que desdenham dessa prática por sua abordagem fraudulenta.
Dolosamente ou não, o uso da máscara da responsabilidade social, e o insensato discurso em seu nome por homens de negócios prestigiados e influentes, claramente ameaça os fundamentos da sociedade livre. Fico frequentemente impressionado com o caráter esquizofrênico de muitos homens de negócio. Por um lado, eles são capazes de ser extremamente acurados e perspicazes em assuntos internos aos seus próprios negócios. Por outro, eles são incrivelmente míopes e confusos em assuntos que, mesmo exteriores aos seus negócios, afetam a possível sobrevivência da livre empresa em geral. Não há nada que possa, num curto período, fazer mais pela destruição do sistema de mercado e pela sua substituição por um sistema de controle central do que o efetivo controle governamental dos preços e salários.
Essa miopia é também exemplificada nos discursos dos homens de negócio sobre a responsabilidade social. Isso pode lhes conferir renome em curto prazo. Mas isso também ajuda a alargar a já prevalente ideia de que a busca pelo lucro é perversa e imoral, e deve ser restringida e controlada por forças externas. E uma vez que essa visão é adotada, as forças externas que limitam o mercado serão não as consciências sociais, ainda que altamente desenvolvidas, dos executivos, e sim a mão de ferro dos burocratas do governo. Aqui, assim como quanto aos controles de preços e salários, os empresários me parecem revelar um impulso suicida.
O princípio político que subjaz o mecanismo do mercado é a unanimidade. Em um livre mercado perfeitamente baseado na propriedade privada, nenhum indivíduo pode coagir outro, toda a cooperação é voluntária, todas as partes envolvidas em tal cooperação ou se beneficiam ou não precisam participar. Não há valores, nem responsabilidades "sociais" em qualquer sentido, que fuja aos valores e responsabilidades compartilhados pelos indivíduos. A sociedade é uma coleção de indivíduos e dos vários grupos que eles voluntariamente formam.
O princípio político que subjaz o mecanismo político é a conformidade. O indivíduo deve servir a um interesse social mais amplo — seja esse interesse determinado por uma igreja, seja ele determinado por um ditador ou uma maioria. O indivíduo pode deter um voto para dizer o que deve ser feito, mas se ele for vencido, ele deve se conformar. É apropriado para que alguns exijam de outros, queiram eles ou não, que contribuam a um amplo propósito social.
Infelizmente, a unanimidade não é sempre verossímil. Há alguns casos em que a necessidade de conformidade parece inevitável, então eu não vejo como se poderia evitar completamente o uso do mecanismo político.
Mas a doutrina da "responsabilidade social", se levada a sério, estenderia o escopo do mecanismo político a cada atividade humana. Isso não diferiria, em filosofia, da doutrina mais explicitamente coletivista. Esse é o porquê de, em meu livro Capitalismo e Liberdade, eu ter chamado essa de uma "doutrina fundamentalmente subversiva" numa sociedade livre, e ter dito que, em tal sociedade, "há uma e apenas uma responsabilidade social do capital — usar seus recursos e dedicar-se a atividades destinadas a aumentar seus lucros até onde se permaneça dentro das regras do jogo, o que significa participar de uma competição livre e aberta, sem enganos ou fraude".
Traduzido por Ramiro Silva. O original em inglês pode ser lido aqui.
[Artigo publicado no The New York Times Magazine de 13 de Setembro de 1970 como "The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits".]
Sempre que ouço homens de negócio falarem eloquentemente sobre as "responsabilidades sociais da empresa num sistema de livre iniciativa", eu me lembro da fantástica história do francês que, aos setenta anos, descobriu que durante a vida toda sua fala cotidiana era em prosa. Os homens de negócios acreditam estar defendendo a livre iniciativa quando declamam que as empresas não se preocupam "meramente" com os lucros, mas também com a promoção de fins "sociais" desejáveis; que as empresas têm uma "consciência social" e levam a sério suas responsabilidades em prover emprego, eliminar a discriminação, evitar a poluição e tudo o mais que seja chavão da cultura contemporânea de reformadores. Na verdade eles estão — ou estariam, se eles se levassem a sério, ou se qualquer outra pessoa o fizesse — professando o socialismo puro e autêntico. Homens de negócio que falam dessa forma são fantoches involuntários das forças intelectuais que têm minado as bases da sociedade livre nas últimas décadas.
As discussões sobre as "responsabilidades sociais das empresas" são notáveis por sua frouxidão analítica e falta de rigor. O que significa dizer que "empresas" têm responsabilidades? Somente pessoas podem ter responsabilidades. Uma corporação é uma pessoa artificial e, nesse sentido, pode ter responsabilidades artificiais, mas das "empresas" como um todo não pode ser dito que têm responsabilidades nem mesmo nesse sentido vago. O primeiro passo para a clareza da análise ao examinar a doutrina da responsabilidade social das empresas é perguntar precisamente o que isso implica, e para quem.
Presumivelmente, os indivíduos que seriam responsáveis são os homens de negócios, ou seja, proprietários individuais ou executivos corporativos. A maior parte da discussão sobre responsabilidade social é direcionada às corporações, então no que se segue, eu devo em grande parte negligenciar os proprietários individuais e falar sobre os executivos.
Num sistema de livre iniciativa e propriedade privada, um executivo é um empregado dos donos do negócio. Ele tem responsabilidade direta para com seus empregadores. Essa responsabilidade é a de conduzir a empresa de acordo com os desejos deles, que geralmente será ganhar tanto dinheiro quanto for possível em conformidade com as regras básicas da sociedade, tanto as consagradas em lei quanto as consagradas pelo costume ético. É certo que, em alguns casos, os empregadores podem ter um objetivo diferente. Um grupo de pessoas pode estabelecer uma corporação para propósitos caritativos — por exemplo, um hospital ou uma escola. O administrador de tal corporação terá como objetivo não os lucros, mas a prestação de determinados serviços.
Em ambos os casos, o ponto-chave é que, na qualidade de executivo, o administrador é o agente dos indivíduos que detêm a corporação ou estabelecem a instituição caritativa, e a sua responsabilidade primária é para com eles.
Desnecessário dizer que isso não significa que é fácil julgar quão bem ele está realizando a sua tarefa. Mas ao menos o critério da performance é simples, e as pessoas a quem ele se submete por um acordo contratual voluntário estão claramente definidas.
Naturalmente, o executivo é também uma pessoa em seu próprio direito. Como pessoa, ele pode ter muitas outras responsabilidades que reconhece ou assume voluntariamente — para com a sua família, sua consciência, seus sentimentos de caridade, sua igreja, seus clubes, sua cidade, seu país. Ele pode se sentir impelido por essas responsabilidades a devotar parte de sua renda a causas que ele considera valiosas, a recusar trabalho de empresas em particular, e até mesmo a deixar o seu trabalho, por exemplo, para se juntar às forças armadas de seu país. Se quiséssemos, poderíamos nos referir a algumas dessas responsabilidades como "responsabilidades sociais". Mas nesses casos ele está agindo como indivíduo, por próprios princípios, e não como um agente contratado; ele está gastando o próprio tempo, dinheiro ou energia, não o dinheiro de seus empregadores ou o tempo e energia que ele deveria usar para se dedicar aos propósitos para os quais foi contratado. Se essas são "responsabilidades sociais", elas são as responsabilidades sociais dos indivíduos, não das empresas.
O que significa dizer que o executivo tem uma "responsabilidade social" em sua capacidade como homem de negócios? Se essa afirmação não é puramente retórica, significa que ele deve agir de alguma forma que não seja pelos interesses dos empregadores. Por exemplo, que ele deve se abster de aumentar os preços dos produtos a fim de contribuir para o objetivo social de coibir a inflação, apesar de que um aumento seria de melhor interesse à corporação. Ou que ele deve fazer os gastos com a redução da poluição irem além da quantidade de interesse para a corporação, ou além do exigido pela lei, a fim de contribuir para o objetivo social de melhorar o meio ambiente. Ou que, às custas dos lucros corporativos, ele deve contratar os desempregados mais necessitados em vez dos melhores trabalhadores qualificados disponíveis, a fim de contribuir para o objetivo social da redução da pobreza.
Em ambos os casos, o executivo estaria gastando o dinheiro de outra pessoa num interesse social geral. Na medida em que suas ações pela "responsabilidade social" reduzem os retornos dos acionistas, ele está gastando o dinheiro deles. Na medida em que suas ações aumentam o preço pago pelos consumidores, ele está gastando o dinheiro deles. Na medida em que suas ações baixam os salários dos empregados, ele está gastando o dinheiro deles.
Os acionistas, os clientes ou os empregados podem separadamente gastar seus próprios dinheiros em ações particulares, se eles quiserem. O executivo está exercendo uma "responsabilidade social" distinta, em vez de servir como um agente dos acionistas, consumidores ou empregados, somente se ele gasta o dinheiro de uma forma diferente de como eles o fariam. Mas ao fazer isso, ele está de fato impondo taxas por um lado, e decidindo como o dinheiro deve ser gasto pelo outro. Esse processo levanta questões políticas em dois níveis: o dos princípios e o das consequências. No nível dos princípios políticos, os impostos e as despesas das receitas fiscais são funções governamentais. Nós estabelecemos elaboradas disposições constitucionais, legislativas e judiciárias para assegurar que os tributos são colocados, tanto quanto for possível, em concordância com as preferências e desejos do público — um dos gritos de guerra da Revolução Americana, afinal de contas, era quanto à "tributação sem representação". Temos um sistema de freios e contrapesos para separar, quanto aos tributos, a função legislativa, que impõe tributos e promulga gastos, da executiva, que cobra impostos e administra os programas de despesas, e da judiciária, que media conflitos e administra os programas de despesas.
Aqui, o homem de negócios — por conta própria ou indicado diretamente por acionistas — deve ser simultaneamente legislador, executivo e jurista. Ele deve decidir a quem taxar, o quanto taxar e para que propósito, e deve gastar os recursos — tudo isso guiado somente por apelos gerais de um dever superior para combater a inflação, melhorar o meio ambiente, combater a pobreza e assim por diante.
A justificação inteira para permitir que o executivo seja selecionado pelos acionistas é a de que ele é um agente a serviço dos interesses da empresa. Essa justificação desaparece quando o executivo impõe taxas e gasta os recursos para propósitos "sociais". Ele se torna, com efeito, um funcionário público, mesmo que ele permaneça, em nome, um empregado de uma empresa privada. No campo dos princípios políticos, é intolerável que tais funcionários públicos — até onde suas ações em nome da responsabilidade social são reais e não somente uma fachada — sejam selecionados como ocorre agora. Se eles devem ser funcionários públicos, então eles devem ser eleitos por um processo político. Se eles devem impor taxas e gastar dinheiro para promover os objetivos "sociais", então a máquina política deve estar configurada para fazer a avaliação dos impostos e para determinar, através de um processo político, quais objetivos devem ser perseguidos.
Essa é a razão básica pela qual a doutrina da "responsabilidade social" envolve o aceitamento da visão socialista de que os mecanismos políticos, e não os mecanismos de mercado, são a forma adequada de se determinar a alocação dos recursos escassos a usos alternativos.
No campo das consequências, pode o executivo de fato se exonerar de suas alegadas "responsabilidades sociais"? Por outro lado, suponha que ele pudesse gastar o dinheiro dos acionistas, clientes ou empregados. Como ele saberia como gastá-lo? A ele é dito que deve contribuir para o combate à inflação. Como ele deve saber que ação sua contribuirá para esse fim? Ele é presumivelmente um especialista em conduzir sua companhia — em produzir, vender ou financiar um produto. Mas nada, entre esses conhecimentos, faz dele um especialista em inflação. Irá sua redução dos preços dos produtos reduzir a pressão inflacionária? Ou, forçar a empresa a produzir menos não irá simplesmente contribuir para a escassez? Mesmo se ele pudesse responder a essas questões, que custos ele está permitido a impor a seus acionistas, consumidores e empregados para esse propósito social? Qual é a sua parcela adequada e qual é a parcela adequada dos outros nisso?
E, mesmo que ele queira, pode ele sumir com o dinheiro dos acionistas, clientes ou empregados? Não irão os acionistas o demitir? (Tanto os atuais quanto os que assumem o controle quando suas atitudes em nome da responsabilidade social reduzem os lucros da corporação e o preço das ações.) Os seus consumidores e empregados podem trocá-lo por outros produtores e empregadores menos cuidadosos em exercer suas responsabilidades sociais.
Essa faceta da "responsabilidade social" é colocada em evidência quando é usada para justificar restrições salariais por parte dos sindicatos. O conflito de interesses fica nu e cru quando é pedido aos dirigentes sindicais que subordinem seus interesses a um propósito mais geral. Se os dirigentes tentam impor restrições salariais, é provável que ocorram greves selvagens, resolutas revoltas e a emergência de fortes competidores pelos empregos dos grevistas. E assim nós temos o irônico fenômeno de que dirigentes sindicais — ao menos nos Estados Unidos — tenham objetado à interferência do governo no mercado de forma muito mais consistente e corajosa do que os líderes de empresas o têm feito.
A dificuldade em exercer a "responsabilidade social" ilustra, de fato, a grande virtude do empreendimento competitivo privado — ele força as pessoas a serem responsáveis por suas próprias ações e as obsta de "explorar" outras pessoas para seus próprios propósitos egoístas ou não-egoístas. Elas podem fazer o bem — mas somente às suas próprias custas.
O leitor que tenha seguido o argumento até aqui pode ser, em grande parte, tentado a protestar que está tudo muito bem em mandar o governo tomar a responsabilidade pelos impostos e pela determinação de despesas para propósitos "sociais" como controlar a poluição ou treinar os desempregados, mas que esses problemas são urgentes demais para esperar pelo lento curso do processo político, e então o exercício da responsabilidade social pelos homens de negócio seria uma forma mais rápida e segura de resolver os problemas atuais.
Além das objeções que podem se fazer à suposta veracidade disso — eu compartilho do ceticismo de Adam Smith quanto aos benefícios que podem ser esperados "daqueles que se comovem em comerciar pelo bem público" — esse argumento deve ser rejeitado no campo dos princípios. O equivalente a isso é a afirmativa de que aqueles que defendem os tributos e as despesas em questão falharam em convencer uma maioria de seus concidadãos, e estão procurando realizar de forma antidemocrática o que não conseguiram fazer pelos procedimentos democráticos. Numa sociedade livre, é difícil que pessoas "más" façam o "mal", especialmente porque o bem de um homem é o mal de outro.
Eu tenho, por simplicidade, focado no caso especial do executivo, exceto para a pequena digressão sobre as organizações sindicais. Mas precisamente o mesmo argumento se aplica ao mais novo fenômeno da convocação dos acionistas a exigir que as corporações exerçam a responsabilidade social (a recente cruzada da General Motors, por exemplo). Em vários desses casos, o que está de fato envolvido é o fato de alguns acionistas estarem tentando coagir outros acionistas (ou consumidores ou empregados) a contribuir para as causas "sociais" favorecidas pelos ativistas. Na medida em que conseguem, eles estão novamente impondo taxas e gastando os proventos.
A situação do proprietário individual é, de alguma forma, diferente. Se ele age para reduzir os rendimentos da sua empresa no intuito de exercer sua "responsabilidade social", ele está gastando seu próprio dinheiro, e não o de outra pessoa. É direito dele querer gastar seu dinheiro em tais propósitos, e eu não consigo ver nenhuma objeção a isso. No processo, ele também pode impor custas aos empregados e consumidores. Contudo, por ser menos provável que ele detenha um poder monopolístico do que uma grande corporação ou sindicato, quaisquer efeitos secundários tenderão a ser menores.
É claro, a prática da doutrina da responsabilidade social é mais frequentemente um disfarce para praticar ações justificadas em outros campos do que um fim em si mesmo.
Para ilustrar, pode ser do interesse de longo prazo de uma corporação que o maior empregador numa pequena comunidade dedique recursos para proporcionar vantagens a ela ou para melhorar o seu governo. Isso poderia tornar mais fácil a vinda de empregados desejáveis, poderia reduzir os custos salariais, poderia reduzir os prejuízos por roubo ou sabotagem, ou poderia ainda ter outros efeitos de valor.
Em todos esses casos — e em vários similares — há uma forte tentação em racionalizar essas ações como um exercício da "responsabilidade social". No clima presente das opiniões, com a sua ampla aversão ao "capitalismo", aos "lucros", à "corporação desalmada" e assim por diante, essa é uma forma de a corporação gerar boa vontade como um subproduto de gastos que estão totalmente justificados dentro do interesse próprio.
Seria inconsistente da minha parte pedir que os executivos se abstenham dessa fachada hipócrita porque isso ameaça os fundamentos da sociedade livre. Isso seria convocá-los a exercer uma "responsabilidade social"! Se as nossas instituições e as atitudes do público fazem com seja do próprio interesse dos executivos encobrir suas ações dessa forma, eu não posso ter muita indignação ao condená-los. Ao mesmo tempo, eu posso expressar admiração por aqueles proprietários individuais, detentores de empresas de capital fechado, ou acionistas, que desdenham dessa prática por sua abordagem fraudulenta.
Dolosamente ou não, o uso da máscara da responsabilidade social, e o insensato discurso em seu nome por homens de negócios prestigiados e influentes, claramente ameaça os fundamentos da sociedade livre. Fico frequentemente impressionado com o caráter esquizofrênico de muitos homens de negócio. Por um lado, eles são capazes de ser extremamente acurados e perspicazes em assuntos internos aos seus próprios negócios. Por outro, eles são incrivelmente míopes e confusos em assuntos que, mesmo exteriores aos seus negócios, afetam a possível sobrevivência da livre empresa em geral. Não há nada que possa, num curto período, fazer mais pela destruição do sistema de mercado e pela sua substituição por um sistema de controle central do que o efetivo controle governamental dos preços e salários.
Essa miopia é também exemplificada nos discursos dos homens de negócio sobre a responsabilidade social. Isso pode lhes conferir renome em curto prazo. Mas isso também ajuda a alargar a já prevalente ideia de que a busca pelo lucro é perversa e imoral, e deve ser restringida e controlada por forças externas. E uma vez que essa visão é adotada, as forças externas que limitam o mercado serão não as consciências sociais, ainda que altamente desenvolvidas, dos executivos, e sim a mão de ferro dos burocratas do governo. Aqui, assim como quanto aos controles de preços e salários, os empresários me parecem revelar um impulso suicida.
O princípio político que subjaz o mecanismo do mercado é a unanimidade. Em um livre mercado perfeitamente baseado na propriedade privada, nenhum indivíduo pode coagir outro, toda a cooperação é voluntária, todas as partes envolvidas em tal cooperação ou se beneficiam ou não precisam participar. Não há valores, nem responsabilidades "sociais" em qualquer sentido, que fuja aos valores e responsabilidades compartilhados pelos indivíduos. A sociedade é uma coleção de indivíduos e dos vários grupos que eles voluntariamente formam.
O princípio político que subjaz o mecanismo político é a conformidade. O indivíduo deve servir a um interesse social mais amplo — seja esse interesse determinado por uma igreja, seja ele determinado por um ditador ou uma maioria. O indivíduo pode deter um voto para dizer o que deve ser feito, mas se ele for vencido, ele deve se conformar. É apropriado para que alguns exijam de outros, queiram eles ou não, que contribuam a um amplo propósito social.
Infelizmente, a unanimidade não é sempre verossímil. Há alguns casos em que a necessidade de conformidade parece inevitável, então eu não vejo como se poderia evitar completamente o uso do mecanismo político.
Mas a doutrina da "responsabilidade social", se levada a sério, estenderia o escopo do mecanismo político a cada atividade humana. Isso não diferiria, em filosofia, da doutrina mais explicitamente coletivista. Esse é o porquê de, em meu livro Capitalismo e Liberdade, eu ter chamado essa de uma "doutrina fundamentalmente subversiva" numa sociedade livre, e ter dito que, em tal sociedade, "há uma e apenas uma responsabilidade social do capital — usar seus recursos e dedicar-se a atividades destinadas a aumentar seus lucros até onde se permaneça dentro das regras do jogo, o que significa participar de uma competição livre e aberta, sem enganos ou fraude".
Traduzido por Ramiro Silva. O original em inglês pode ser lido aqui.
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